quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O Amor me chamou.

 Há de se curar. Mas como? Há de se curar? Quem? Eu? Há de curar a tribo? Mas eu? O que? Há de curar o mundo.


Minh'alma cantou a vida inteira silêncios de mudança. Há de curar o mundo. Cada asfalto aberto em flor anunciava já desde sempre a existência que só agora dou conta de firmar. Há de curar a si. Foram tantas, tantas feridas no caminho, tantas quedas, como continuei andando? Há de curar a tribo. Não é muita presunção achar que esse miudinho que eu sou é capaz de colorir as ruas?

A cada novo dia tanta beleza que ainda não havia descortinado. Mãe Oxum, lava meus olhos? Ser feita da Deusa, matéria de estrela, de lama, de sangue morto, de tanto sangue vivo é todo dia um susto, uma reverência, uma afirmação. Hei de curar a mim. Não estou quebrada, ou suja, ou fraca, o amor fecha os cortes. Hei de curar a tribo, que cada pessoa que me encontra encontre a Deusa e me leve até ela. Hei de curar o mundo, que um olhar afetuoso estanca um pedacinho da ferida - miúdo, insignificante pedacinho-, mas a minha tribo e a tribo da minha tribo e a tribo da tribo da minha tribo, de insignificância em insignificância, molecularmente, atômicamente, trará amor.


A vida vive.

A poesia vive.

O amor vive.

Somos nós.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Aos trinta começados.

Hoje faço trinta anos. A vida inteira temi a famigerada crise dos 30 (parecem mais quando os escrevo assim). Não estou onde imaginei que estaria aos 30. Na verdade, estou muito longe de onde imaginei que estaria. QUE SORTE! Nem nos meus sonhos mais imaginativos eu seria capaz de antecipar sequer um décimo da beleza na qual transformei a minha vida.

Vivendo dias completamente diferentes de tudo o que eu havia fantasiado e desejado ardentemente, tenho a sensação de estar e-xa-ta-men-te onde eu deveria estar. De ser exatamente quem eu deveria ser, quem eu quero ser. Sinto um amor imenso por mim, pelo mundo e por esse coração vagabundo que quer guardar o mundo em mim. Hoje me peguei encantada e feliz de saber que quando eu morrer, meu corpo será árvore, bicho, água, lodo, estrada e sei lá mais o que, mas continuarei nessa terra linda, cheia de cor, cheia de vida. O amor que sinto pela minha existência neste mundo é tão grande que o sinto invadir casas num raio de muitos km ao redor de mim. Talvez o meu amor seja capaz até de invadir a casa de cada pessoa que ler essa postagem e mudar e roubar um sorriso. 

Hoje admiro a mulher que me tornei e venho me tornando. Olho para mim com a mesma reverência com que olho para uma cachoeira (quem me conhece melhor sabe do que estou falando). Eu me sinto profundamente honrada que, como diria a Mafalda, justo a mim tenha me cabido ser eu. 

Não sou perfeita e hoje já não tenho a pretensão de ser (ou parecer), sou bastante. Sou o bastante. 

Eu achava, como acredito que todo mundo que completa 30 anos achava, que nessa idade eu saberia muito sobre a vida. Quem sabe muito sobre a vida? HAHAHA! Hoje, no entanto, sei muito sobre mim. E quanto mais eu sei, mais embasbacada fico comigo mesma. Hoje reconheço a minha trajetória, a minha potência. Vivi muitas vidas em uma, esse foi o jeito que a minha alma encontrou. Antes de voltar para a terra, provavelmente viverei muitas ainda. Não me arrependo de nenhuma, não abriria mão de nada do que nesse momento eu sou. Vejo e honro as minhas nuances, cada um dos meus erros e todas as minhas escolhas.

 E depois de tanto tempo passeando nas minhas sombras, quem diria que justo aos temidos 30 estaria tão embebida da minha luz?



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

"Se eu morrer, não chore não, é só a Lua"

Dias de desabrochar e dias de cair ao chão. Hoje eu gostaria de falar da beleza da vida, mas o dia está nublado e eu amanheci chovendo. Estou cansada. Me sentindo o máximo em flor: exuberante, talentosa, divertida, inteligente, agradável, etc, etc, estou cansada. Hora de cair do galho. Hoje eu só quero ser chata e entediante e sem energia. Hoje não tenho energia. Só quero olhar o céu, ouvir umas músicas tristes repetidamente e fazer um silêncio tão profundo que o mundo inteiro ouça. Mas sou tão chata, tão chata, que escrevo. E coloco palavras no mundo pra romper o meu silêncio. Os ciclos lunares são assim, nunca se sabe o que vem, mas sempre sabemos que vem. É de se abrir em flor pra esperar a morte e renascer miúda pra ser flor e morrer de novo. De novo, e de novo, e de novo. Falamos sempre da beleza disso, quando falaremos da chatice? Quantas mortes vive uma mulher? Quantas vidas? De quantas vidas morre uma mulher? Inspiro pesadamente, morrer tanto cansa. Aguardo ansiosa para renascer.


quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Not now.

 Nem aqui, nem agora. O tempo passa em ritmos variados, cada vez mais distantes e mais próximos de mim. Tudo o que aconteceu muito anos atrás volta para me dizer que o que não se mata, não morre. É precisa aprender a arrancar raízes. Tenho dificuldade. Cavo fundo, às vezes mais fundo do que minhas mãos alcançam. Cavo com a alma. Mesmo assim, não vou fundo o suficiente. As raízes da vaidade são profundas, muito muito próximas do centro da Terra, tanto que parecem próximas do centro de mim. Me confundo entre intuições e vaidades, fantasias e afirmações, desejo... Pra que(m) eu faço mesmo? Sou eu ou é o fantasma do passado que, como num conto de Natal, assume a condução? Nem aqui, nem agora. "A gente nasce todo dia..." Pra que mesmo, Gonzaguinha? 


Caleidoscópicas confusões, grandes mistérios do existir, quantas vidas dura um silêncio?

A mim, escolho eu todos os dias.

sábado, 3 de outubro de 2020

Don't call my name

 E teve aquele amor, aquele que era tudo. Que me olhava por alguns momentos e parava o tempo pra me dizer que eu era linda. Teve esse, esse que nunca foi, mas que tanto foi, esse que deixei partir de tanto medo, e que quando voltei já não era meu. Esse que me fazia sentir única, ainda que não fosse, que enchia o peito com a mera presença. Ele chegava em seu cavalo branco e toda a existência sorria em flor por avistar aquela cor laranja, tão laranja, dos seus pêlos, que tomava o mundo inteiro. Teve esse grande amor que eu não vivi e que nunca deixei de viver. Ele era tudo o que sonhei, todo detalhe, cada pinta, cada sarda, tanto brilho. Ainda choro vendo-o feliz no amor que encontrou, parece que ela é tudo. 

Eu? Eu sou a falta. A fantasia do que não suportei viver. O arrependimento de quem voltou onde não lhe cabia porque o que o que tinha nas mãos era tão precioso que só podia fugir. Ele nunca vai saber, e vai sempre me ver como mais uma das mulheres que passou por sua vida, se é que sou uma das mulheres que passou por sua vida. Sem grandes atributos. Ele será sempre o que deixei escapar por entre os dedos.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Ao menino dos olhos encantados II

(nem acredito que foi assim que te identifiquei 10 anos atrás, tantas vezes a gente sabe antes de saber... só descobri quando acabei de escrever o texto a seguir)


É que no bojo do encanto, inadvertidamente atravessei um portal para o mundo fantástico da tua energia. Atravessado, meus olhos te encheram de diamantes e todos os aromas de tua pele e de teu hálito preencheram cada espaço do meus pulmões. Desse etéreo conhecimento, submergi em mim e nas águas que coloriram-se de ti. Tudo converge para o exato momento em que ritualizamos, sem saber, aquele instante. Toda música, todo olhar, cada respiração como que uma sinfonia dos sentidos, tudo inteiro, tudo tudo. Como aquela música que fica se repetindo na cabeça, cada toque, cada movimento do seu corpo reacontece na minha memória várias vezes ao dia. Como quem canta atravessamentos respiro teu cheiro, agora já se perdendo, como no grande silêncio depois da fogueira, cheiura no peito de quem cantou a plenos pulmões uma noite inteira. Todas as cores em ti, cores que vi lá no nosso primeiro encontro, tantas vidas atrás, explodiram como caleidoscópio no nosso primeiro beijo. Por alguns instantes, nossas peles fundidas e a experiência da transcendência fizeram-me antes de ser minha, ser nossa, como deus e o universo, tudo éramos nós. Todo entendimento, toda certeza, toda a vida existente estava alí, na borda da tua pele, na massa dos nossos corpos feitos de estrela. Eu bem falei das minhas ganas de engolir o mundo.


Vez em quando ainda me assusto quando os caminhos da magia se apresentam assim, sem firulas, num contato despretensioso. Sigo com medo, movi uma magia imensa que jamais achei que seria capaz de acessar. O que mais me assusta é que anseio por tocá-la (e tocá-lo) novamente.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Carta a um (des)conhecido

"Salvador, 14 de Setembro de 2018.

    Lucas,

    Estou já faz alguns dias protelando para lhe responder a última mensagem que você me enviou. Como eu te disse, o nosso encontro foi muito significativo pra mim e me fez refletir sobre muitas coisas. Essa é a razão pela qual decidi lhe escrever esta carta a mão, para que você receba um pouco da minha energia, se assim permitir. Quero lhe falar um pouco sobre os meus processos e o que venha pensando. 

    Sabe, ao longo dos últimos anos eu venho percebendo o nível de complexidade que eu escolhi viver na minha vida gradativamente. Acho que sempre escolhi caminhos que me levavam a aprofundar no autoconhecimento e as minhas experimentações das mais diversas possibilidades de ser vieram construindo uma personalidade bastante intrincada e até às vezes meio confusa, porque todas essas possibilidades habitam simultaneamente em mim. Sei que falando assim parece meio caótico, mas deixou de ser caótico já faz um tempo considerável. Você deve estar se perguntando por que diabos estou lhe dizendo essas coisas. 

    Acontece que uma das minhas percepções recentes é de que eu tenho tido alguma dificuldade de me deixar conhecer e sinto que naquele dia te falei muito pouco ou quase nada sobre mim. Eu sei, eu sei, você deixou claro que não é possível nesse momento um envolvimento entre nós e não é isso que busco, minha alma apenas deseja que você saiba mais sobre quem tocou.

    Eu tenho sentido muita dificuldade de encontrar homens que tenham ou consigam lidar com esse nível de complexidade, não porque eu seja difícil, não sou, mas porque para isso, é preciso conhecer ou ao menos aceitar a própria profundidade. Convenhamos que em tempos de relações líquidas, esse convite parece quase uma afronta. Façamos a revolução! Hahaha.

    O que me encantou em você, e eu não sei se vi isso no seu papo, nos seus olhos ou na sua energia, -e considero a possibilidade de isso ser pura projeção- foi a profundidade. Eu senti muito desejo de mergulhar e conhecer e admirar toda a beleza desse oceano de águas doces, ainda que saiba não ser apenas doçura.

    Eu não sei se a vida algum dia vai cruzar nossos caminhos outra vez, eu sei que eu gostaria que cruzasse. Num outro tempo, com as feridas fechadas e as águas calmas, poderíamos ser bons amigos ou amantes. Mas tudo está no tempos certo e no lugar certo, fica hoje a sensação de que é possível mergulhar sem bater a cabeça em pedra.

    Fico feliz que o nosso encontro tenha lhe ajudado no seu processo, porque a mim trouxe a renovação da esperança nas possibilidades de ver beleza. Às vezes a vista fica um pouco embaçada com tanto concreto na cidade grande, tantas pessoas concreto na cidade grande (pelo menos à primeira vista). Eu gostei da sua natureza, das suas cores, do seu frevo. A verdade é que tem uma parte minha batendo pé e não querendo te deixar ir, mesmo quando 90% de mim está em paz e respeitando a sua escolha. Essa partezinha fica fazendo beicinho e dizendo: -mas...mas...mas... Ele é tão...! É até engraçada e fofinha essa parte, vou precisar ter uma conversa muito cuidadosa com ela.

    Enfim, é isso. Sei que o nível de abertura que você teve no nosso encontro provavelmente foi diferente do meu, por tudo o que você está vivendo e porque somos pessoas diferentes, mas se em algum momento você sentir que pode e quer se abrir para viver o que a vida puder enviar de afeto e carinho, e sentir que faz sentido, por curiosidade ou qualquer razão aleatória, ver se sai alguma coisa de um contato entre nós, minh'alma desejar beijar a sua como a sua lhe beijou, com toda ternura.

    Eu desejo que você encontre muita luz nos seus caminhos e que haja sempre escuta para o seu coração.

    "Desejo fazer contigo o que a primavera faz às cerejeiras". - Bonito, né? Mas né meu não, é de Pablo Neruda. Hahaha. Só que é meu também.

    Um beijo imenso,

                            de corpo (e desejo),

                            de alma,

                            e de tudo o mais que desconheço.

                                                                          B."


Escrevi esta carta depois de trocar mensagens com um cara com quem eu tive um único encontro na vida (nos conhecemos no Tinder), nunca enviei. Eu não sei o que respondi a essas mensagens dele. Hoje organizando algumas coisas, sem querer acabei rasgando um pedaço dela. Achei poética e doce, quando eu penso no que senti por esse homem, sou coberta de doçura imensa e um desconcerto meio infantil, como quando a gente se depara com uma imensidão e se sente pequeninha. Eu morro de medo e amor por essa minha capacidade de sentir coisas tão imensas e profundas em situações que parecem tão banais (mas não são, at all).

sexta-feira, 31 de julho de 2020

"Essa criança não marcou hora na minha agenda lotada de desculpas"

Como quem vê tudo pela primeira vez, me pego passeando saltitante por um milhão de possibilidades de mim, adentrando floresta densa. Brinco as minhas nuances, faço tudo meio mal feito, coisa de quem faz pela primeira vez. Permaneço num nível de excitação constante, como criança que não quer dormir para aproveitar cada minutinho. Canto, escrevo, cozinho, olho o céu, pinto, leio, faço penteados nos meus cabelos, organizo e desorganizo a casa, medito, reflito, trabalho, invento projetos, tenho ganas de engolir o mundo. Tenho ganas de engolir o mundo. Tenho ganas de engolir o mundo! Tudo o que sou ainda é pouco do que sou. Sou imensidão. Cansei de faz-de-conta e esconde-esconde, quero mais, quero o muito, quero tudo. Minh'alma se expande em ondas coloridas e brincadeiras que ainda não fiz. Quero sorver a vida, terrível e deliciosa, até a última gota. E lamber a tigela. 

Da minha cabeça barulhenta

Muitas palavras, todo dia, o dia todo. Lavoura de signos, dia e noite, a mente não cessa. Nada acontece e nada para de acontecer. É mudança muita, tanta sorte. O dia me atravessa enquanto o atravesso sem sequer perceber. Há muitos trabalhos. Palavras e trabalhos. Palavras trabalhosas, trabalhadas, tralha. A vida acontece se projetando para a frente, tudo é de hoje em diante. Diante de mim, me peço aos gritos que não pare de acontecer. Tenho medo. Há tanto em mim que acabo sendo pouco do que poderia ser, mesmo sendo tanto de tanto. Tudo o que eu disse é mentira. 

Sou um grande silêncio fervilhando em sensações e desejo, o mundo, eu, tudo. 
Tenho ganas de abarcar o mundo.

terça-feira, 23 de junho de 2020

No fim, o mundo continua.

De tão proibido esse amor, eles nos criou um espaço escondido para nossos beijos. Tão escondido que passei meses vasculhando entradas e saídas até encontrar, num sonho, um jogo onde finalmente pude lhe beijar. Há tanto medo que, por vezes, me pergunto se é dessas grandes coisas que nos aparecem na vida sem pedir licença e rompem tudo o que havíamos entendido até então que era a vida. Provavelmente não é.
No sonho, como na vida, eu nunca me importo com as proibições. Beija-me a boca e beija-me logo que não aguento mais esperar pela profunda emoção de estar em seus braços. Vem que me cansa fingir que não te quero, que não te sonho, que não invento lugares pra nós, me cansa ver-te importar-se com o que não importa e deixar-nos podar por quem não sabe crescer nada. Cansa-me esperar, porque espero. Não como se a vida lhe pertencesse, mas sabendo que contigo se colore em tons de desejo e suspiros diversos. Esse lugar que você criou no meu sonho, onde podemos virtualmente nos amar não foi criado para nós, era seu esconderijo do mundo. Deixa-me ser esconderijo do mundo, deixa-me amar tudo em você nesse espaço bonito, nessa igreja onde você me beijou sem nenhuma cerimônia porque era sua, e sendo sua, era nossa. Se esconde em mim que eu te protejo, meu amor. Só não se esconde de mim, nem de nós.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Acordada.

Hoje o dia amanheceu chuvoso e escuro. Alguns dias mágicos amanhecem assim (quais dias não são mágicos?). Me deparei com uma declaração de amor ao acordar, encantou-me como se fosse para mim. Não era. Há muitos anos ninguém se declara para mim desta forma. Uma carta de amor é uma espécie de feitiço, hoje sei. Hoje sei o quanto eu, particularmente, sou vulnerável a este tipo de magia. Houve um tempo em que havia muitas cartas de amor, as paredes pareciam cobertas de palavras e cada mínimo detalhe, cada sulco na pele, cada folha caída se transformava numa infinidade de imagens e sentidos. Cartas de amor sugam o mundo pra dentro, como que abrem o peito para que vida entre inteira em beleza. O dia hoje amanheceu com o cheiro de uma carta de amor, como se tivesse aberto um portal ou um chacra que me transporta não em espaço ou tempo, mas em sentimento. Cada som (um vizinho mexendo na água, a buzina de um carro, alguém varrendo o chão) me encontra agora soando em minha pele e em meu peito, dissipa-se o véu entre mim e o mundo, é tudo um. Há um prazer indescritível em engolir o encantamento do mundo, sentir passar pela garganta, quente, e mantê-lo no estômago, mundificando dentro de mim. Fico, eu também, encantada. É deste lugar de onde saem as cartas de amor, daqui a vida é só beleza. Quem acordou essa parte de mim, como faço com que não durma?