terça-feira, 25 de agosto de 2020

Ao menino dos olhos encantados II

(nem acredito que foi assim que te identifiquei 10 anos atrás, tantas vezes a gente sabe antes de saber... só descobri quando acabei de escrever o texto a seguir)


É que no bojo do encanto, inadvertidamente atravessei um portal para o mundo fantástico da tua energia. Atravessado, meus olhos te encheram de diamantes e todos os aromas de tua pele e de teu hálito preencheram cada espaço do meus pulmões. Desse etéreo conhecimento, submergi em mim e nas águas que coloriram-se de ti. Tudo converge para o exato momento em que ritualizamos, sem saber, aquele instante. Toda música, todo olhar, cada respiração como que uma sinfonia dos sentidos, tudo inteiro, tudo tudo. Como aquela música que fica se repetindo na cabeça, cada toque, cada movimento do seu corpo reacontece na minha memória várias vezes ao dia. Como quem canta atravessamentos respiro teu cheiro, agora já se perdendo, como no grande silêncio depois da fogueira, cheiura no peito de quem cantou a plenos pulmões uma noite inteira. Todas as cores em ti, cores que vi lá no nosso primeiro encontro, tantas vidas atrás, explodiram como caleidoscópio no nosso primeiro beijo. Por alguns instantes, nossas peles fundidas e a experiência da transcendência fizeram-me antes de ser minha, ser nossa, como deus e o universo, tudo éramos nós. Todo entendimento, toda certeza, toda a vida existente estava alí, na borda da tua pele, na massa dos nossos corpos feitos de estrela. Eu bem falei das minhas ganas de engolir o mundo.


Vez em quando ainda me assusto quando os caminhos da magia se apresentam assim, sem firulas, num contato despretensioso. Sigo com medo, movi uma magia imensa que jamais achei que seria capaz de acessar. O que mais me assusta é que anseio por tocá-la (e tocá-lo) novamente.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Carta a um (des)conhecido

"Salvador, 14 de Setembro de 2018.

    Lucas,

    Estou já faz alguns dias protelando para lhe responder a última mensagem que você me enviou. Como eu te disse, o nosso encontro foi muito significativo pra mim e me fez refletir sobre muitas coisas. Essa é a razão pela qual decidi lhe escrever esta carta a mão, para que você receba um pouco da minha energia, se assim permitir. Quero lhe falar um pouco sobre os meus processos e o que venha pensando. 

    Sabe, ao longo dos últimos anos eu venho percebendo o nível de complexidade que eu escolhi viver na minha vida gradativamente. Acho que sempre escolhi caminhos que me levavam a aprofundar no autoconhecimento e as minhas experimentações das mais diversas possibilidades de ser vieram construindo uma personalidade bastante intrincada e até às vezes meio confusa, porque todas essas possibilidades habitam simultaneamente em mim. Sei que falando assim parece meio caótico, mas deixou de ser caótico já faz um tempo considerável. Você deve estar se perguntando por que diabos estou lhe dizendo essas coisas. 

    Acontece que uma das minhas percepções recentes é de que eu tenho tido alguma dificuldade de me deixar conhecer e sinto que naquele dia te falei muito pouco ou quase nada sobre mim. Eu sei, eu sei, você deixou claro que não é possível nesse momento um envolvimento entre nós e não é isso que busco, minha alma apenas deseja que você saiba mais sobre quem tocou.

    Eu tenho sentido muita dificuldade de encontrar homens que tenham ou consigam lidar com esse nível de complexidade, não porque eu seja difícil, não sou, mas porque para isso, é preciso conhecer ou ao menos aceitar a própria profundidade. Convenhamos que em tempos de relações líquidas, esse convite parece quase uma afronta. Façamos a revolução! Hahaha.

    O que me encantou em você, e eu não sei se vi isso no seu papo, nos seus olhos ou na sua energia, -e considero a possibilidade de isso ser pura projeção- foi a profundidade. Eu senti muito desejo de mergulhar e conhecer e admirar toda a beleza desse oceano de águas doces, ainda que saiba não ser apenas doçura.

    Eu não sei se a vida algum dia vai cruzar nossos caminhos outra vez, eu sei que eu gostaria que cruzasse. Num outro tempo, com as feridas fechadas e as águas calmas, poderíamos ser bons amigos ou amantes. Mas tudo está no tempos certo e no lugar certo, fica hoje a sensação de que é possível mergulhar sem bater a cabeça em pedra.

    Fico feliz que o nosso encontro tenha lhe ajudado no seu processo, porque a mim trouxe a renovação da esperança nas possibilidades de ver beleza. Às vezes a vista fica um pouco embaçada com tanto concreto na cidade grande, tantas pessoas concreto na cidade grande (pelo menos à primeira vista). Eu gostei da sua natureza, das suas cores, do seu frevo. A verdade é que tem uma parte minha batendo pé e não querendo te deixar ir, mesmo quando 90% de mim está em paz e respeitando a sua escolha. Essa partezinha fica fazendo beicinho e dizendo: -mas...mas...mas... Ele é tão...! É até engraçada e fofinha essa parte, vou precisar ter uma conversa muito cuidadosa com ela.

    Enfim, é isso. Sei que o nível de abertura que você teve no nosso encontro provavelmente foi diferente do meu, por tudo o que você está vivendo e porque somos pessoas diferentes, mas se em algum momento você sentir que pode e quer se abrir para viver o que a vida puder enviar de afeto e carinho, e sentir que faz sentido, por curiosidade ou qualquer razão aleatória, ver se sai alguma coisa de um contato entre nós, minh'alma desejar beijar a sua como a sua lhe beijou, com toda ternura.

    Eu desejo que você encontre muita luz nos seus caminhos e que haja sempre escuta para o seu coração.

    "Desejo fazer contigo o que a primavera faz às cerejeiras". - Bonito, né? Mas né meu não, é de Pablo Neruda. Hahaha. Só que é meu também.

    Um beijo imenso,

                            de corpo (e desejo),

                            de alma,

                            e de tudo o mais que desconheço.

                                                                          B."


Escrevi esta carta depois de trocar mensagens com um cara com quem eu tive um único encontro na vida (nos conhecemos no Tinder), nunca enviei. Eu não sei o que respondi a essas mensagens dele. Hoje organizando algumas coisas, sem querer acabei rasgando um pedaço dela. Achei poética e doce, quando eu penso no que senti por esse homem, sou coberta de doçura imensa e um desconcerto meio infantil, como quando a gente se depara com uma imensidão e se sente pequeninha. Eu morro de medo e amor por essa minha capacidade de sentir coisas tão imensas e profundas em situações que parecem tão banais (mas não são, at all).