domingo, 31 de julho de 2022

O show tem que continuar

 Tem sido extraordinariamente exaustivo. Encarar a minha falibilidade tem sido desesperador  sete dias por semana, vivo à beira do colapso. Talvez eu tenha me acostumado a ter facilidade em tudo ou apenas não costumava ter esse grau de exigência comigo mesma. Ser perfeccionista nunca foi um problema, mas é um imenso problema. Tenho estado deprimida, ainda que fazendo o que minha alma me pede pra fazer, sem arrependimentos. Me sinto meio Dorian Grey olhando o próprio retrato roído dos vícios. Tenho tantos vícios... Noite e dia me pergunto como as outras pessoas conseguem apenas aceitar o que é e se satisfazerem enquanto eu sou viciada nas faltas, nunca estou contente. Se eu soubesse um pouco mais, se inventasse um pouco mais, se eu fosse muito mais... Me sinto superficial, oca, minúscula. Faço más fofocas sobre mim o tempo inteiro pra mim mesma. "Você viu o que eu fiz naquela cena? Como pude?" Não me deixo em paz um dia sequer, sou minha pior inimiga. Os elogios, jogo-os pelo ralo, ninguém é capaz de ver a verdade além de mim, grande narcisista que sou. Meus demônios estão todos no palco, dançando ao meu lado, mas ainda assim sigo protegida. A guerreira que me guarda e me habita me dá suas bençãos mesmo quando dificulto tudo. Preciso melhorar, por mim e por ela. Estou cansada de quem eu tenho sido.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Posso te falar do medo, do meu desejo, do meu amor.

 De fato, não é fácil ser braba todo dia. As araras na minha cabeça ganharam essa batalha me levando à exaustão. Not enough, not enough, not enough - grasnam o dia inteiro -, não é possível que eu não posso fazer melhor. Never enough. Tenho tomado surras e mais surras do cansanção da autocobrança. A pior parte é que sou eu a espancadora e eu... Ah, eu sei bem me bater onde dói. "Nobody said it was easy, no one ever said it would be this hard". Seria impossível contar as vezes em que ouvi "é muito difícil viver de arte no Brasil", isso todo mundo já entendeu. O que ninguém avisou é que seria difícil viver arte nesse corpo-país que sou eu. Por que ninguém me avisou da neurose do artista, da ansiedade, da sensação de "eu não sirvo pra isso" mesmo quando "isso" é o que desejei de corpo inteiro por toda a vida? Por que ninguém me falou que dói tanto que nos faz perder o sono, a fome, o brio? Como a adolescente que fui, cega de amor e medo, tateio jardins e ruínas em mim, grandes palacetes, salas de tortura, uma imensidão que me engole todo dia de manhã e me cospe, mastigada e semidecomposta ao fim da noite.

domingo, 27 de março de 2022

Point of no return

Às vezes a gente finge que dá pra voltar, pra desver, pra passar por cima do insight tido. Às vezes até tentamos voltar atrás, correr de volta pro útero dos dias, onde ainda havia a chance do óvulo temporal não encontrar o espermatozóide das percepções, quando ainda era possível nos fazermos de tolos. Não posso mais, agora é tarde, Inês (ou a velha Bárbara?) é morta, minha alma clama por arte. Toda aquela busca (quem sou eu?) me trouxe até aqui, à beira desse penhasco. Essa alma que anseia tocar e ser tocada, que se alimenta de beleza e fantasia, que, mesmo sem permissão, serpenteia cantando e que faz da vida espetáculo circense não quer mais deixar o spotlight. Aquela euzinha dentro de mim já não grita mais desesperada, ela se junta a mim para abrir as cortinas. Me sinto inteira. E linda. E, enfim, encarando o abismo mais assustador: admitir que se eu não for arte, eu prefiro a morte.