Sou feita de pontas soltas. De dezenas de amores que não aconteceram, quase aconteceram, aconteceram pela metade e acontecem sem fim. Sou um punhado de interdições chicoteando o ar. Só por hoje, não. Só por hoje, não falo, não faço, não beijo, não peço aos prantos por uma xícara de qualquer coisa doce que faça um desses amores crescer. Sou feita de histórias que não consigo terminar em mim. Seguem acontecendo, doendo e doendo e doendo. Numa tarde de domingo, consigo transformar alguma reticência em beleza, mas nunca em ponto final. Nunca sei virar a página, escrevo cadernos e mais cadernos imaginários de e ses, e se ficasse, e se tentasse, e se eu tolerasse, e se eu fosse mais, ou menos, ou qualquer coisa que não fosse eu, e se ele fosse mais, ou menos, ou qualquer coisa que não fosse ele... Nunca termina o meu desejo de que fosse diferente, seja um novo ou velho nome, é sempre um "quem sabe na próxima?" e vou me enchendo até o refluxo de hoje nãos até que, no refluxo, transbordo solidão por todo lado. E nunca fico só, nunca. Pareço como que um imã e recebo sempre muito amor ou qualquer coisa que mimetize o amor, e vivo estacionada, confusa, perdida entre amor e solidão. E é sempre muito, é sempre demais, mesmo quando eu digo que agora sim, agora vai ser só o bastante. Nunca é só o bastante. Eu nem sei o que é o bastante. Me atropelo em avenidas intermináveis de sentimentos que disputam uma espécie de racha rasgando meu corpo de ponta a ponta até que não sobre qualquer farol de lucidez. A linha de chegada parece ser sempre o chão. Ando cansada das capotagens e de quedas livres, será que se, de uma vez, solto meu coração, esse lastro-âncora-rochedo, ou deixo que se espatife numa curva (de uma estrada que não seja de Santos), consigo então voar?
Insistência insone.
terça-feira, 24 de junho de 2025
terça-feira, 18 de março de 2025
Prato (de veneno?)
quarta-feira, 5 de março de 2025
Em estado de Bahia.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Então tá bom então.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
"As lágrimas que não se choram esperam em pequenos lagos?" - Pablo Neruda
Esse ano me atravessou numa enxurrada. Tenho ficado ao sol, pra ver se seca tanta água empoçada no meu peito. Me sinto coberta de lama, lama seca, secando. Hoje dancei numa cachoeira e senti os pedaços de barro caindo do meu corpo, abrindo a minha pele de volta. Sinto que estou me curando, sinto que estava doente, profundamente doente, de traição, de saudade, de exílio. Esses dias acordei de madrugada com uma música de péssima qualidade, terrivelmente alta, às 4h da manhã. Sorri, cantei, eu conhecia a música, eu estou em casa, fiquei horas acordada ouvindo, sorvendo, me nutrindo como uma espécie de súcubo cultural. Eu sinto a minha estrela brilhando aqui. É pouquinho, no meio do meu peito ,subindo em cascata invertida até a minha testa, mas ela brilha. E limpa. A cada dia que durmo e acordo aqui, me sinto mais limpa. Ainda estou amarga, "só que agora é diferente...". Onde não queres nada, nada falta. Parece que um pedacinho do meu lado direito do corpo começou a adocicar. Tem um cacho do meu cabelo que está a um milésimo de segundo de se transformar em flor. Um riso que eu dei hoje de manhã está a um decibel de alcançar aquele rasgo no canto direito do meu coração. Tenho recebido abraços, tenho -recebido- abraços, tenho recebido. Aqui eu não preciso dar nada, ninguém me rouba nada, aqui eu posso receber. Recebo então. E agradeço. E me curo. E me lembro. Aqui me lembro que ainda amo. Que por trás de todo ácido, ainda amo. E se acende aquela centelha. Aqui eu volto a ser missionária do amor.
Mas volto em baby steps, porque lá parece que desaprendi a andar/amar.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
Eu só preciso atravessar duas semanas. Eu não sei se eu consigo atravessar essas duas semanas. Eu tenho que conseguir atravessar duas semanas. Às vezes parece que o tempo se dobra e se estica, quanto pior o purgatório, mais tempo ele vai durar, mesmo que sejam apenas duas semanas. Tenho um milhão de coisas pra fazer em duas semanas, organizei meus dias de tal forma que não me reste muito tempo pra sofrer. Como se eu precisasse de tempo pra sofrer. As raízes profundas do abandono, ela disse. "Testar a minha ausência na carne de uma gente". Faria alguma falta? A ausência não percebida é ainda ausência, ou ausência é só quando há vazio? Se aquelas flores que sairiam do meu crânio estourado viraram lodo, a minha morte seria só feiura? Tem algo de beleza nessa cena: eu aqui, a sala vazia, cheia de tantas palavras, ditas e não ditas, tantos passos aqui dados, tantos beijos, e esse vazio. Digito essas palavras num computador, sentada de frente para o vazio que não preenchi nunca, nem vou preencher, eu acho. Minhas salas são sempre assim, cheias de vazios. Guinevere me lembra a primavera. Guinevere é uma escultura que coloquei na nessa sala, um busto, que eu inventei ser um busto de mulher, com uma boina meio soviética, uma máscara de gás e óculos de proteção, insígnias militares. Não me pergunte porque ela me faz pensar na primavera, eu posso dizer que não sei. Estarei mentindo, mas posso dizer que não sei. Eu vivo mudando o nome da Guinevere. Ela já foi Clementina, Rosa, Florentina, hoje é Guinevere, amanhã veremos. Como eu. Eu só preciso atravessar duas semanas. Quando fico em silêncio, tudo parece me engolir. Eu só preciso atravessar duas semanas. Será que estando lá as coisas realmente vão ficar mais fáceis? Eu não aguento mais tentar fingir, eu já nem engano mais ninguém, honestamente. Eu só tenho que aguentar mais duas semanas.