terça-feira, 24 de junho de 2025

 Sou feita de pontas soltas. De dezenas de amores que não aconteceram, quase aconteceram, aconteceram pela metade e acontecem sem fim. Sou um punhado de interdições chicoteando o ar. Só por hoje, não. Só por hoje, não falo, não faço, não beijo, não peço aos prantos por uma xícara de qualquer coisa doce que faça um desses amores crescer. Sou feita de histórias que não consigo terminar em mim. Seguem acontecendo, doendo e doendo e doendo. Numa tarde de domingo, consigo transformar alguma reticência em beleza, mas nunca em ponto final. Nunca sei virar a página, escrevo cadernos e mais cadernos imaginários de e ses, e se ficasse, e se tentasse, e se eu tolerasse, e se eu fosse mais, ou menos, ou qualquer coisa que não fosse eu, e se ele fosse mais, ou menos, ou qualquer coisa que não fosse ele... Nunca termina o meu desejo de que fosse diferente, seja um novo ou velho nome, é sempre um "quem sabe na próxima?" e vou me enchendo até o refluxo de hoje nãos até que, no refluxo, transbordo solidão por todo lado. E nunca fico só, nunca. Pareço como que um imã e recebo sempre muito amor ou qualquer coisa que mimetize o amor, e vivo estacionada, confusa, perdida entre amor e solidão. E é sempre muito, é sempre demais, mesmo quando eu digo que agora sim, agora vai ser só o bastante. Nunca é só o bastante. Eu nem sei o que é o bastante. Me atropelo em avenidas intermináveis de sentimentos que disputam uma espécie de racha rasgando meu corpo de ponta a ponta até que não sobre qualquer farol de lucidez. A linha de chegada parece ser sempre o chão. Ando cansada das capotagens e de quedas livres, será que se, de uma vez, solto meu coração, esse lastro-âncora-rochedo, ou deixo que se espatife numa curva (de uma estrada que não seja de Santos), consigo então voar?

terça-feira, 18 de março de 2025

Prato (de veneno?)

Sou eu, então, o monstro. A serpente devoradora de almas de pobres homens indefesos. Podres homens indefesos. Eu, tantas vezes vendida, rendida, fiz por merecer o escárnio e o corte da adaga com que me afaguei a pele. Eu, que por escolha ou por destino, me coloquei tantas vezes, a cabeça a prêmio, lânguida e mansa, sonhando amores dos quais só tive a ponta. Eu, que tantas vezes me entreguei e me deixei cair sem realmente ver o chão da queda. Sou eu, então, o monstro. A pele gasta, já fina de tanto trocar, de tanto morrer e ter que, sozinha, me renascer. Sou eu, então, a górgona, o minotauro, o frankstein. Eu, que tantas vezes amorosa abri o peito para espadas desembainhadas. Eu, que tantas vezes me ofereci - o orgulho, a honra, a vida - em sacrifício achando que assim salvaria o amor das crueldades do masculino. Sou eu, então, que sou cruel e egoísta. Sou eu, então, o monstro sem coração. 

quarta-feira, 5 de março de 2025

Em estado de Bahia.

As últimas semanas foram uma enxurrada de informações internas e externas. Eu, tão cheia de cascas estava, fui baixando a guarda e deixando que as águas das cachoeiras, e das chuvas do Carnaval, limpassem minha mente de tantos "e se". Estive recebendo mensagens de toda divindade que me acompanha. 

Carnaval é ritual, é andança, é chamamento, e eu sou sempre orientada nas minhas peregrinações. Tive medo do que comecei a ouvir de dentro de mim nas últimas semanas, briguei internamente, bati pé, mas não adianta, as coisas são o que são, eu sou o que sou. 

Estou feliz. A Bahia e o Carnaval renovam a minha fé na vida, a fé de que é possível sim manter a alegria, a bondade, a gentileza, o afeto, vivos. A fé de que podemos ser muito mais, mais gente, menos eus, mais nós. De que *EU* (risos) posso também. Me sinto como quem sai do culto, da missa, da gira, do sabbath: leve, limpa, acreditando em milagres, acreditando na vida. 

Vou então eu também ser água, serpentear pra onde a vida me faz escorrer, descobrir no meio do caminho, me infiltrar pela terra, pelas pedras, por tudo ao redor. Vejo meu caminho até antes da curva, mas como diria aquela música da disney "lá na curva o que é que vem pra mim?".

Tô animada pra descobrir.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Então tá bom então.

"E a vida é como mãe que faz o jantar e obriga os filhos a comer os vegetais pois sabe que faz bem."

Às vezes me ressinto de ter que comer os vegetais e fico amarga, e mal humorada, sem querer aprender mais nada, frustrada que a vida não seja sempre doce. Faço birra e reclamo de tudo, como se a vida não estar a meu serviço fosse uma ofensa pessoal à minha pose de rainha. Aqui tenho vertigens terríveis olhando o céu, a sensação de que posso a qualquer momento ser tragada pelo universo. Como se eu não já estivesse tragada pelo universo (risos). Não é à toa, pareço estar com medo de ser tragada pela vida (como se não existisse completamente tragada pela vida - risos). Daqui de onde escrevo, sinto medo. Finalmente consigo ver o que me esteve amargando pelos últimos meses: tem a dor, foram meses de muita dor, de um luto profundo, assustado, repentino, e ainda me sinto imersa na sensação de perda, mas tem medo. Muito medo. Medo de que seja sempre assim, acumulando perdas, com essa minha dificuldade tão grande de deixar ir, medo de que essas dores não passem nunca e eu precise seguir carregando essa mochila de raiva e pesar ladeira acima. "A saudade é uma ladeira que não se para nunca de subir". Uma vez eu ouvi que o contrário do medo é o amor e eu acreditei nisso por muito tempo. Eu costumava sentir muito amor. Pela vida, pelas pessoas, pela Terra, pela existência. Hoje penso que talvez o contrário do medo seja a fé, a confiança na vida, a entrega. Em alguma parte de mim, eu ainda tenho fé no amor. Medo e fé. No fim das contas, é mesmo de luz e sombra que se fazem os contornos da vida. Eu não faço a menor ideia de pra onde eu vou seguir agora, mas eu quero confiar, a vida tem seus caminhos. Tá bem, tá bem, Mãe, eu aceito aprender.