terça-feira, 6 de agosto de 2024

Às vezes sou soterrada pela falta dos sonhos que sonhei com você. Perco o ar, a casa, tudo vira chão e eu sou só afundo em pilhas e mais pilhas de móveis não comprados, brancos lençóis de cama, alvíssimos, brinquedos de filhos que não tive. Eu sou só afundo. Daí me lembro que você não era você, e eles não eram eles, vocês eram alguma coisa de mim refletida e fantasiada. Você era o meu tesão, os meus sonhos de família, a minha saudade de casa. Você era, muito antes de ser você, a minha solidão deslizando sobre minhas veias em injeções congelantes de analgésicos e ansiolíticos, passando por cima de mim. Você era a cerveja que eu não aguentava mais beber e a dor de amor que eu não aguento mais sentir. De amor? E eu lá sei o que é amor? Você sabe? Se souber, me diz: amor a gente sente ou pensa que sente? Se eu conseguir me convencer de que se acabou o meu peito, será que esses amores acabam ou será que morro eu? 

domingo, 4 de agosto de 2024

"Como se eu quisesse bis de algo que aconteceu há tanto tempo, mano."

Parece que passo a vida procurando por algo, como se já conhecesse, como se me fosse tão familiar quanto acordar. Parece que caminho na vida com a certeza de que em algum momento vou esbarrar no amor, nesse amor, esse que é leve e denso ao mesmo tempo. Nesse que me fará sentir tranquila, e excitada, e do qual não fará sentido me afastar, porque é tão certo. Acreditei nisso como se já tivesse provado seu gosto, como se o conhecesse de muito muito tempo, talvez vidas atrás. 

A uma altura dessas eu nem sei mais se isso existe. Talvez tenha sido só alucinação de um ácido lissérgico que tomei nalguma vida pregressa. Como se algum átomo do meu corpo convencesse todos os outros de que é sim possível, de que viu acontecer. Pura fantasia. Puta fantasia. Eu estou cansada de acreditar no amor. 

Eu quero mesmo é desacreditar, não pra que ele me encontre, mas pra que ele desapareça desse lugar em mim onde se instala o olho da busca. Encontrar a certeza de que foi tudo uma grande viagem e poder descansar. E nunca mais procurar por nada. E nunca mais tentar nada. E nunca mais amar.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Da exaustão de ser.

Às vezes me canso de ser eu e queria ser outra, com outros gostos, outra dor, outras histórias pra contar. Às vezes eu queria ter me ferido em outras coisas, amado outras pessoas, de outra forma, noutro ritmo. Talvez ter inimizades, mas por deus, quem tem inimizades hoje em dia? Eu teria. Eu teria outros hobbies, talvez skydiving...? Outros amigos, outros assuntos em comum. Teria desejos de errar outros erros, de cair noutras armadilhas, de me enredar em outras teias de estúpidas ideias sobre a vida. Quem sabe eu iria pra academia todo dia e me alimentaria saudável, ou talvez eu escrevesse uma tese sobre alguma especificidade minúscula - e absolutamente indispensável - da Física. Poderia ser militante de alguma causa, ir a manifestações e saber o nome de cada líder de cada setor de algum partido. Ou destruir vidraças de bancos e lançar coquetéis molotov em viaturas. Talvez eu fosse uma reacionária e fizesse vídeos no tik tok sobre "a forma correta de se comportar como uma mulher de valor" ou fosse um desses meninos que nunca estiveram com uma mulher falando sobre todas as "coisas broxantes que uma mulher pode fazer". Talvez eu não sentisse tanta dor nos joelhos. E respirasse sem esse peso no peito. Talvez eu tivesse me mudado pra Chapada Diamantina, onde o ar é mais puro, talvez eu nunca tivesse começado a fumar. Talvez eu estivesse trabalhando num lugar insalubre e mal remunerado -como a maior parte dos brasileiros - pra sobreviver. E eu me perguntaria outras perguntas, me alegraria com outras vitórias, sentiria tesão em outras curvas. Talvez eu não tivesse onde dormir, ou pra quem ligar, ou como ligar. Talvez estivesse em alguma esquina, cansada de mim e desejando ser qualquer coisa que não eu.