quinta-feira, 17 de outubro de 2024

o tempo é uma piada de mau gosto.

E o fruto só dá no tempo. 

A vida acontece mesmo quando tentamos pará-la. Não há como se esconder dos dias. Mesmo no quarto escuro, as costas grudadas na cama, a luz que já não atravessa cortina nenhuma, a vida segue acontecendo em mim, e fora de mim, e na esquina, nos meus amores, etc, etc, etc. A vida é uma comida de rua de procedência duvidosa que às vezes é manjar de deuses, às vezes é samonella, não se sabe qual a da vez. Mas a gente torce, e come tentando descobrir pelo cheiro qual vai ser, mas às vezes só depois de deglutir há de se saber se deleite ou disenteria. É preciso saber esperar sem pensar que qualquer peido te levará pro hospital, soro na veia, tonelatas de antieméticos. O tempo vai se dobrar e engolir o próprio rabo brincando e rindo de si mesmo enquanto você espera a saraivada de verdades que ele te enviou pelo correio de alguma cidade de um interior esquecido, e que pode chegar amanhã ou se perder no caminho. Não adianta esperar respostas, o tempo é sempre uma pergunta. E, como diria o Professor Girafalles, só um idiota responde uma pergunta com outra pergunta. O tempo é um idiota. Como eu. Como Sócrates. Foda-se a maiêutica, eu já não quero construir nada, aceito manuais de comportamento, tratados do que não fazer. Provavelmente não seguirei nenhum, sou feita de transgressões, mas será que ao menos encontro como descansar dos dias lambendo o telhado por cima de mim? Ou será que algum dia, começo eu mesma a lamber o telhado pra passar o tempo? E se eu me passar no tempo, será que ele também me acha uma piada de mau gosto? Que gosto será que tenho eu para o tempo, manjar de deuses ou disenteria?

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Foi quando eu chegar.

Acordei muito cedo hoje, antes das 5h, sem despertador, depois de alguns minutos meu celular vibrou. Lembrei das mensagens que trocamos naquela primeira semana, da competição de quem acordava mais cedo, do "acordei e pensei em você" que estava implícito nela. Foi no mês passado, mas parece que vidas inteiras se passaram desde então. Eu sorri um sorriso doce de saudade e escrevendo essas palavras correm lágrimas no meu rosto por um amor que ensaiou acontecer. Espero animada por uma estréia.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Duplipensamento

Das coisas da vida, sempre tive predileção pelas palavras, a maior idolatria. Na leitura ou na escrita, na música, nos filmes, no teatro, pra mim sempre foi sobre palavras. Dizer palavras, ouvir palavras, sussurar vidas e vidas de declarações de amor e ódio, tratados inteiros de prestidigitação da dor, manuais de como viver em paz. Tantas vezes me salvaram de mim e de me deixar corroer pela acidez da vida que me agarro a elas como paraquedas. São, pra mim, tão sagradas que pareço empalidecer ao ter agora que aceitar que tantas vezes me enganaram e construíram castelos de nuvens nos meus pensamentos e no meu peito. Daí passa um vento, e tanto se desfaz, e eu fico alí, apegada às palavras, repetindo que não é possível. Mas é possível,  é verdade, que a crueza do mundo se mostra muitas vezes sem som, sem letra, numa ação afiada e pontiaguda rasgando o peito de ponta a ponta. Choro assumir que tanto é dito por covardia, por malícia ou por desdém. É como se desvelasse uma verdade escondida bem debaixo do meu nariz a vida inteira, como finalmente achar a cicatriz de vacina que quase não se vê no meu braço direito. Não estou imune às palavras, sinto como criança que ouve histórias sobre um mundo fantástico e acredita violentamente, não acredito é na mentira. Como será possível que tanta mentira se diga, e como não seria possível que se dissesse, se eu mesma já menti? Duplipensamento. Prego peças em mim mesma, como a piada de mau gosto do tempo e do som, da fúria. Nada concluo, fico em suspenso, que é mesmo isso que escrevo? Verdade ou mentira? Que é isso que leio e ouço e digo?

Essa obsessão pela verdade algum dia ainda me atira de um prédio.