segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Carta a um (des)conhecido

"Salvador, 14 de Setembro de 2018.

    Lucas,

    Estou já faz alguns dias protelando para lhe responder a última mensagem que você me enviou. Como eu te disse, o nosso encontro foi muito significativo pra mim e me fez refletir sobre muitas coisas. Essa é a razão pela qual decidi lhe escrever esta carta a mão, para que você receba um pouco da minha energia, se assim permitir. Quero lhe falar um pouco sobre os meus processos e o que venha pensando. 

    Sabe, ao longo dos últimos anos eu venho percebendo o nível de complexidade que eu escolhi viver na minha vida gradativamente. Acho que sempre escolhi caminhos que me levavam a aprofundar no autoconhecimento e as minhas experimentações das mais diversas possibilidades de ser vieram construindo uma personalidade bastante intrincada e até às vezes meio confusa, porque todas essas possibilidades habitam simultaneamente em mim. Sei que falando assim parece meio caótico, mas deixou de ser caótico já faz um tempo considerável. Você deve estar se perguntando por que diabos estou lhe dizendo essas coisas. 

    Acontece que uma das minhas percepções recentes é de que eu tenho tido alguma dificuldade de me deixar conhecer e sinto que naquele dia te falei muito pouco ou quase nada sobre mim. Eu sei, eu sei, você deixou claro que não é possível nesse momento um envolvimento entre nós e não é isso que busco, minha alma apenas deseja que você saiba mais sobre quem tocou.

    Eu tenho sentido muita dificuldade de encontrar homens que tenham ou consigam lidar com esse nível de complexidade, não porque eu seja difícil, não sou, mas porque para isso, é preciso conhecer ou ao menos aceitar a própria profundidade. Convenhamos que em tempos de relações líquidas, esse convite parece quase uma afronta. Façamos a revolução! Hahaha.

    O que me encantou em você, e eu não sei se vi isso no seu papo, nos seus olhos ou na sua energia, -e considero a possibilidade de isso ser pura projeção- foi a profundidade. Eu senti muito desejo de mergulhar e conhecer e admirar toda a beleza desse oceano de águas doces, ainda que saiba não ser apenas doçura.

    Eu não sei se a vida algum dia vai cruzar nossos caminhos outra vez, eu sei que eu gostaria que cruzasse. Num outro tempo, com as feridas fechadas e as águas calmas, poderíamos ser bons amigos ou amantes. Mas tudo está no tempos certo e no lugar certo, fica hoje a sensação de que é possível mergulhar sem bater a cabeça em pedra.

    Fico feliz que o nosso encontro tenha lhe ajudado no seu processo, porque a mim trouxe a renovação da esperança nas possibilidades de ver beleza. Às vezes a vista fica um pouco embaçada com tanto concreto na cidade grande, tantas pessoas concreto na cidade grande (pelo menos à primeira vista). Eu gostei da sua natureza, das suas cores, do seu frevo. A verdade é que tem uma parte minha batendo pé e não querendo te deixar ir, mesmo quando 90% de mim está em paz e respeitando a sua escolha. Essa partezinha fica fazendo beicinho e dizendo: -mas...mas...mas... Ele é tão...! É até engraçada e fofinha essa parte, vou precisar ter uma conversa muito cuidadosa com ela.

    Enfim, é isso. Sei que o nível de abertura que você teve no nosso encontro provavelmente foi diferente do meu, por tudo o que você está vivendo e porque somos pessoas diferentes, mas se em algum momento você sentir que pode e quer se abrir para viver o que a vida puder enviar de afeto e carinho, e sentir que faz sentido, por curiosidade ou qualquer razão aleatória, ver se sai alguma coisa de um contato entre nós, minh'alma desejar beijar a sua como a sua lhe beijou, com toda ternura.

    Eu desejo que você encontre muita luz nos seus caminhos e que haja sempre escuta para o seu coração.

    "Desejo fazer contigo o que a primavera faz às cerejeiras". - Bonito, né? Mas né meu não, é de Pablo Neruda. Hahaha. Só que é meu também.

    Um beijo imenso,

                            de corpo (e desejo),

                            de alma,

                            e de tudo o mais que desconheço.

                                                                          B."


Escrevi esta carta depois de trocar mensagens com um cara com quem eu tive um único encontro na vida (nos conhecemos no Tinder), nunca enviei. Eu não sei o que respondi a essas mensagens dele. Hoje organizando algumas coisas, sem querer acabei rasgando um pedaço dela. Achei poética e doce, quando eu penso no que senti por esse homem, sou coberta de doçura imensa e um desconcerto meio infantil, como quando a gente se depara com uma imensidão e se sente pequeninha. Eu morro de medo e amor por essa minha capacidade de sentir coisas tão imensas e profundas em situações que parecem tão banais (mas não são, at all).

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